Storytelling

O que podemos aprender com os canadenses

Em janeiro de 2017 estive pela primeira vez no Canadá.

Escolhi justamente o inverno para conhecer aquele país gélido, onde minha filha resolveu estudar, mas como tinha que aproveitar meu período de férias, não tive como determinar outro período. E lá fomos nós enfrentar temperaturas abaixo de zero e muita neve.

De tudo o que se fala dos canadenses, tive a oportunidade de checar in loco.

Sim, são educados. Para tudo dizem ‘sorry’, ‘excuse me’ e ‘thank you’. Mas não espere que eles batam o maior papo com você logo no início ou que te convidem para tomar uma cerveja ou um café depois do trabalho. Eles são mais reservados. Acho que o jeito brasileiro, mais amigável e altamente receptivo, é exclusividade nossa mesmo.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a forma correta com que eles pautam suas atitudes.

Respeito, consideração, ética e muita educação. Esses valores são vistos no ponto de ônibus, no caixa da farmácia, na locadora de veículos e em muitos outros lugares. Até mesmo na dedicação de uma motorista de ônibus, uma senhora que aparentava uns 65 anos, ao auxiliar um cadeirante a entrar no ônibus que ela dirigia. E todos os passageiros daquele ônibus, inclusive eu, ficamos esperando que toda a operação fosse finalizada, com a cadeira de rodas posicionada no lugar devido e os cintos de segurança presos a ela. Confesso que fiquei admirando aquela consideração, tanto da senhora motorista quanto dos pacientes passageiros.

E com os horários, então? Canadenses cumprem seus horários de forma a não prejudicar o andamento de seus próprios compromissos e os dos outros também. Marcou com o encanador às 8h15? Nessa hora ele estará batendo à sua porta (e isso aconteceu conosco realmente). Agendou uma revisão, instalação ou entrega? Pode esperar que na hora marcada você terá o serviço executado. Os ônibus têm seu horário definido previamente para que todos possam se programar com antecedência e, digamos, não perder tempo. Acredito que isso seja uma demonstração de respeito ao próximo.

Tenho contado um fato que nos ocorreu que acho que exemplifica a forma como os canadenses agem.

Numa terça-feira chuvosa, saímos para passear para conhecermos vários lugares e minha filha usava um colar que havíamos dado a ela como presente de formatura. Somente quando voltamos para a casa, à noite, é que ela se deu conta de que não estava mais com o colar no pescoço e que o havia perdido. Imediatamente ficou desesperada, triste, mas àquela altura, não tínhamos mais o que fazer e resolvemos que no dia seguinte poderíamos tentar alguma coisa. E foi o que aconteceu. Logo cedo ela ligou para o motorista do Uber que usamos para perguntar se ele havia achado algum colar no banco traseiro do carro. Ele disse que não costumava checar o banco de trás do veículo, mas que iria verificar e ligaria de volta. Ligar de volta? Achávamos pouco provável. Para nossa surpresa, em 10 minutos ele ligou de volta, dizendo que infelizmente não tinha achado e desejava que ela encontrasse seu colar.

Depois foi a vez do cinema. Ligou para lá pedindo que a atendente verificasse próximo à poltrona F6, onde ela havia sentado, se não teria um colar nas proximidades. E novamente, para nossa surpresa, em alguns minutos a atendente retornou à ligação dizendo que não havia encontrado nada naquela poltrona e nem ao redor; disse que procurou na fileira anterior e na posterior. Depois disso, ela passou a ligar nas lojas em que entramos dentro de um shopping center por onde passeamos também. Acredito que ela deva ter ligado para umas quatro ou cinco lojas. E recebeu ligação de volta de absolutamente todas elas, dizendo que haviam procurado nos provadores e perto das araras e que, infelizmente, não tinham encontrado nada.

Ela já estava bem triste, mesmo assim, resolveu fazer o caminho inverso pela rua e voltar até o shopping, olhando com cuidado pelas calçadas. Como havia chovido muito na véspera, as ruas estavam com aquele gelo sujo e escorregadio. Era praticamente impossível achar qualquer coisa naquelas condições. Quando chegamos ao shopping, fomos direto para uma loja enorme de departamento, por onde passam muitas pessoas diariamente. À essa altura, eu já tinha perdido qualquer esperança de encontrar alguma coisa. Ela olhou ao redor e foi diretamente falar com um dos vendedores. Era um senhor bem alto, com cabelos grisalhos. Perguntou-lhe se haviam achado um colar na véspera e mostrou-lhe sua foto de whatsapp no celular, na qual era possível ver o colar. Ao olhar a foto, ele suspirou aliviado. Sim, ele havia encontrado o colar e guardou na gaveta da gerente da loja. Disse que sentia muito pela pessoa que havia perdido aquele colar, pois sabia que deveria ser algo de valor, além de ser de muito bom gosto.

Ele quis devolver o colar o quanto antes. Minha filha ficou tão feliz e grata àquele senhor que perguntou o que poderia fazer para agradecer. Ele sequer cogitou algo, se despediu dizendo que ficava feliz por ter conseguido devolver e voltou ao seu trabalho. Sentimos que ele fez aquilo como um dever moral. Tratava-se de consideração, de ética, uma vez que aquilo não lhe pertencia.

Obviamente que minha filha ficou exultante (até perdi as contas de quantos pulinhos deu para São Longuinho), mas por que ficamos tão surpresos com atitudes assim? Por que todas as pessoas que foram contatadas tiveram a sensatez de retornar à ligação para dizer que não encontraram? Será que gentileza e amabilidade não devem ser incentivadas em nosso cotidiano?

Pude atestar que os canadenses são pessoas que zelam e prezam pelo respeito ao próximo em praticamente todos os locais que frequentei.

Poderíamos praticar essas atitudes um pouco mais e fazer disso um hábito prazeroso.

Gentileza, cortesia, delicadeza nas atitudes e sempre estar disposto a fazer o seu melhor.

Que tal treinarmos um pouco? Nossos dias seriam absolutamente muito melhores.