Precisamos falar sobre o Guilherme
Conheci a Deise e o Edu quando resolvi fazer aulas de Pilates. Eles já frequentavam as aulas e nos tornamos amigos.
Dos encontros às terças e quintas, estendemos para outras ocasiões juntamente com toda a família. O Guilherme é filho deles. Tem 24 anos, já se formou na faculdade de Gastronomia e já trabalha em um restaurante na região de Pinheiros, em São Paulo. Ele se orgulha de ser um ‘Chef de Cuisine’. E com toda razão; parentes e amigos também se orgulham disso.
Talvez você esteja achando tudo isso muito comum. Mas não na condição do Guilherme, pois ele tem Síndrome de Down. E ele é uma das poucas pessoas com esse diagnóstico que conseguiu se formar em um curso superior no Brasil.
Ouvir a Deise e o Edu contarem a história do Gui desde o nascimento até os dias de hoje é emocionante. A gente vibra junto com eles e passa a admirar a história dessa família. E a gente torce pelos pequenos e significativos passos dados pelo Gui.
Desde pequeno, os pais sempre procuraram oferecer atividades diferentes para ele como forma de descobrir o que realmente pudesse manifestar seu interesse em aprender ou criar, visando sempre seu desenvolvimento. Foram oportunidades em cursos de teatro, culinária e esportes. A intenção era perceber e sentir o que poderia incentivá-lo. E foi nessa busca que encontraram o Instituto Chefs Especiais, uma instituição na cidade de São Paulo voltada para o atendimento e desenvolvimento de jovens com Síndrome de Down. Eles oferecem aulas de culinária com a preocupação de desenvolver e aumentar a autonomia dessa turma, uma vez que já é uma realidade que eles estão sobrevivendo mais do que seus pais ou cuidadores. É um trabalho inovador, pois traz benefícios para eles e também para suas famílias, valorizando e respeitando suas características e limitações.
E foi participando do Chefs Especiais que o Guilherme despertou para a gastronomia. Descobriu sua vocação e se aventurou a prestar vestibular. Obviamente que durante todo esse processo seus pais o apoiaram incondicionalmente. Foi uma verdadeira alegria e emoção quando receberam a notícia de que o Gui havia entrado na faculdade. Logo após esse acontecimento, ele foi entrevistado por uma emissora de TV e participou do programa da Sandra Annerberg; afinal era um dos primeiros alunos com Síndrome de Down a frequentar um curso superior. E a imprensa o acompanhou até a sua formatura.
Lembro-me das histórias que a Deise contava sobre as aulas do Gui na faculdade. Como gastronomia é um curso com uma ampla grade de aulas práticas, foi acordado entre a faculdade e os pais que o aluno deveria estar sempre acompanhado por um responsável, pois há o perigo de fogo e objetos cortantes. Nem preciso comentar que a Deise, incansavelmente, acompanhou seu filho nessas aulas. Ela também é merecedora de um diploma.
E foi numa dessas entrevistas dadas pelo Gui à imprensa que um restaurante o descobriu, por meio de uma amiga em comum, e o convidou para trabalhar lá. Outro momento de alegria, emoção e sentimento de dever cumprido. O Guilherme estava formado e trabalhando. Todos ficaram orgulhosos por ele ter chegado tão longe. A determinação e o empenho são uma constante na vida dessa família.
A história do Guilherme se parece com tantas outras de garra e persistência. Entretanto, não devemos nos esquecer de que criar um filho com Síndrome de Down, ou qualquer outra deficiência, demanda um esforço extraordinário. Sabemos que há variantes dentro da própria síndrome e, obviamente, há diferenças entre os portadores. Sendo assim, nunca devemos considerar o desenvolvimento humano e individual como um processo previsível. Devemos, sim, atentar para o contexto sociocultural em que se está inserido, ou seja, no qual se vive, com quem se vive. E se o Guilherme chegou até aqui com sucesso, o mérito deve ser atribuído da mesma maneira a seus pais e à sua irmã mais velha, Renata, que estiveram sempre ao seu lado e nunca duvidaram que tudo isso seria possível. E mesmo enfrentando diversas provas de insensibilidade e falta de conhecimento por parte de algumas pessoas ao longo do caminho, eles foram perseverantes e não se entregaram em momento algum. São atitudes assim que ajudam a proporcionar uma interação maior com pessoas que têm deficiência, fortalecendo laços e colaborando para um desenvolvimento completamente satisfatório, assim como aconteceu com o Gui.
A crença e a confiança desses pais foram o fator determinante nessa história. Isso é ATITUDE. É a forma como encaram os desafios que se mostram à sua frente. É a maneira de enfrentar e superar as adversidades da vida. É incentivar sempre. E acreditar que possam fazer a diferença.
Guilherme é um vencedor. A Deise e o Edu são igualmente vencedores.
Minha extrema consideração e admiração pela família Campos.